"Estás a ver?"
Era um por do sol na saída de
Lisboa. O sol derramava um amarelo inesquecível nos prédios habitados. Ao longe
os moinhos de ventos gritavam as ausências dos amores distantes. Fazia frio e
sol, a paisagem era avistada da janela do autocarro. Ele era um agricultor da
Covilhã, criador de ovelhas e coletor de mel. Mostrou-lhe a paisagem e disse:
“Estás a ver? É giro não é?” Ela concordou com a cabeça, e ficou em silêncio –
aquelas frases traziam lembranças, outras paisagens – prendeu-se nelas por
alguns instantes, até o momento em que ele mais uma vez exercia as tentativas
de arrancá-la das lembranças; perguntou-lhe se gostava de mel e de queijo,
disse que sim, e agora sorriu... Com algum tempo ela já se sentia protegida com
a presença daquele homem simples. Ele perguntou-lhe muitas coisas sobre a vida,
e depois sentenciou: “Ainda vais ser muito feliz”. Havia uma promessa de
felicidade nos olhos dela que ele, encurtando o caminho, conseguia ler. Na estrada,
o tempo escureceu, e esfriou ainda mais; logo se encostaram, um pouco, um no
outro, para aquecer as ausências que cada alma trazia.