terça-feira, 12 de maio de 2015

| Fernando Coelho |

28 de abril de 2015






Despedida inventada, sem soneto, com vários pecados escondidos. Está claro, meu bem. Entendi desde antes. Acabou. Não tem mais jeito. Eu não fui o poeta eleito. Acabou. E quando tudo acaba, quase acaba com tudo. O que fica é uma vontade de dizer, de novo, o que nunca foi dito, ou dizer, mais uma vez, o que entalado e desmanchado esteve no peito. Por ora, não tem mais jeito. Só me resta encostar o corpo no mar. Estourar com barulho seco uma garrafa de Bolinger, e me arrebentar em suas espumas. Nada de cachaça de alambique. Nada de escocês, do que Vinicius se embriagava. Nada de cerveja quente dos mosteiros beneditinos. Nada de cortar os pulsos, coisa sem necessidade, (sempre vai aparecer um vizinho que nos leva para o pronto socorro, estraga a cena e o sacrifício de amor acaba em curativos desajeitados). Mas ergo um brinde do tamanho das curvas de Machu Picchu. Um brinde, não porque eu esteja feliz. Mas porque quero morrer de saudade enchendo a cara com um champanhe que vale ouro. Como o amor que começamos, acabamos, e recomeçamos, sozinhos, dentro de nós. E só.   



Você foi noite, escuridão, desejo, tristeza, alma, vida, floresta, perdição. Você foi a minha doença. Os meus olhos quebrados, todos os meus voos errantes que deram no parapeito das cordilheiras. Você foi o meu amor, perdido, ensangüentado, desvairado, imperfeito, o dilema e o descalabro, a virtude e a miséria, os algarismos da conta errada do futuro, o punhal do ciúme que me feriu, mas eu não gritei de dor, gritei de saudade e de pavor. Você foi a ventania abalando as fontes, as lavadeiras, sujando as areias brancas do Abaeté, pendurando nos varais as nuvens que me trouxeram, e ainda tumultuou a pedra que ronca em Itapuã, que silenciou afogada de tanto amor meu, levando coqueiros, sereias, conchas, desventuras e um painel de tainhas mortas de cores. Você feriu as minhas axilas com o seu hálito, manchou os meus sonhos com água viva de papoulas mal plantadas, escarrou em meu silêncio. Você se acabou em mim sem nunca aparecer nem me avisar, me acabou, me rachou, me desacumulou, me rasgou com seu jeito de passarinho infernal, e ainda me fez construir paredes, telhados, cumeeiras, e explodir fora de mim, em ninhos de papel, em favos de fogo, e me arrastou, não pelos cabelos, me fez trair todo mundo, os meus, os seus, aqueles que lutaram na guerra de Federico Garcia Lorca, de Hemingway, e ainda deu um tiro no plâncton de minha alma vadia, vazia, descarada e alargada de sua aventura. Escorei a minha porta com os livros de Neruda. Pode forçar a entrada assim mesmo. Eu destruí igrejas, templos, religiões, teorias, livros sagrados, pra lhe amar apenas com a minha adoração impune, arrebatada, imperdoável. E todos os violões, os de Paco de Lucía, Segovia, Villa-Lobos, Baden, Maria Luisa Anido, Turíbio, Duo Assad, não conseguiram acompanhar a melodia de minha despedida desafortunada. E você vadiou mais pelo meu coração enxaguado de tristeza, nas tempestades, nos dias longos de espera, nas tardes miseráveis de tantas ruas abertas em minhas veias (você mesma andou o tempo todo, de sua vida, em minhas veias, em meu sangue, em todos os meus males físicos e nos espirituais, e nunca percebeu nada). Não devolva os meus livros, os meus poemas molhados de minha paixão, os meus olhos secos de areia, a minha lealdade de homem sem guerra, sem paz, sem sono, sem esperança. Mas me devolva, me largue, apague a estrada, o meu caminho, o meu destino. Deixe-me o mar, meu ponto de partida. Deixe-me amar tudo o que eu não sei. E só.