terça-feira, 26 de maio de 2015

| Edmar Conceição |

12 de maio de 2015


Insônia




Finais de janeiro, minha insônia ia-se despedindo das madrugadas portuguesas. Meus olhos resistiam ao sono como um menino inquieto e perdido no tempo, colhendo uma penumbra castanha, parecida com as árvores do inverno, tão distante e tão íntima.

Recolhia-me para a cozinha e me entregava a longos goles da água gelada que saía da torneira. Tentava, em vão, serenar o espírito que ardia dentro de mim. A janela úmida permitia alguns desenhos e pequenos versos, depois desfazia com a palma da mão, como se fosse pecado escrever com a própria pele.

Havia morangos grandes na pia, provava-os com a demora de um cais contemplando o vazio do mar. Acompanhava a neblina preguiçosa que atravessava as luzes sonolentas dos postes e, às vezes, soprava fundo, criando minha própria fumaça, caprichando na própria vigília.

Meus olhos estavam abertos, mas o espírito e a rua tardavam acordar. As varandas e as janelas adormeciam tristes de tão esquecidas.

O alvorecer veio com uma garoa leve e esparsa, era o orvalho das lágrimas da noite. Foi aí que passou um rapazola distraído com passos incertos e assobios afinados, desafiando a sentinela noturna que insistia em não partir. Quase não dava para ouvir a melodia, mas aquele canto entoou minha voz, falou por dentro de mim, como um pássaro que percebe os primeiros raios do sol e se entrega a liberdade das suas asas.

Minto. Aquele canto falou para toda rua, ou melhor, para mais longe, além das torres e do miradouro de Coimbra. Um canto que desperta uma alma reclusa e rompe com a insônia cinzenta, que pousa além dos limites e vai ao encontro de quem não se permite adormecer.