terça-feira, 17 de março de 2015

| Edmar Conceição |

|03 de março de 2015 | 




O mundo de Caio



- Preocupa-me a falta de contato visual do seu filho. Não acredito que seja atraso na linguagem. Ele tem traços comuns do autismo.

Joana já tinha me alertado do possível diagnóstico que a neuropediatra nos traria. Caio Arthur não nos olha diretamente. Na maioria das vezes, ele prefere criar seu espaço, inventando, sozinho, suas brincadeiras, pinotes, diálogos e risos.

No regresso, Joana dirigia o carro e explanava sobre o que era o autismo regressivo, seu tratamento e o mistério que a ciência ainda não conseguiu descortinar: como uma criança, a partir de certo momento, regride a comunicação, foge do mundo real e se recolhe a um universo somente seu?

Nos longos intervalos de silêncio, segurava na mão do meu filho e escorria dentro de mim uma dor de várias perdas e incertezas. Caio, mesmo não me fitando, de alguma forma, não aceitava minha ferida, pelo contrário, chupava seu pirulito azul soltando gargalhadas.

Senti um conforto no seu riso, eu que tantas vezes recusei o amargor da realidade, abri fendas para criar meu próprio planeta, demarcando meus quintais solitários da infância, os penhascos ermos da poesia e desertos íntimos cheios de desabafos, medos e sonhos.

Naquela mesma hora, fiz preces e promessas. Não era uma oração tensa, rogando uma cura milagrosa e instantânea. Apenas agradeci ao Criador a condição de ser pai, pedindo um pouco de leveza e ternura no meu coração para admirar a beleza do mundo de Caio, cultivando seu riso cheio de estrelas, mesmo quando estivermos em órbitas diferentes.