terça-feira, 23 de dezembro de 2014

| Fernando Coelho |

09  de dezembro de 2014








Todos os dias caça os seus fantasmas. É um trabalho miserável. Caça-os dentro de si próprio. Imagina que pode ser mais do que um, ou mais do que tudo o que vê.  Não os encontra. São infernais telas de sua alma pouca de credulidade. Descobre que os seus fantasmas são seus. Incontroláveis e bastardos. Ele é um proletário de sua vida. Um ninguém na Nona Sinfonia que ouve sem entusiasmo. Escreve. Elimina-se querendo explicar o amor. Claro, desgraça-se, num porre medieval. Projeta-se de sua varanda cansada de observá-lo tão indeciso. A questão, como um quadro ainda sem pintura, ou o papel sem uma palavra, não é o amor. Sabe que é a amada, é ela. É o consenso de tê-la e não tê-la. Irrita-se, porque isso é pobre, filosofia exígua de um sujeito sem dote algum. Não é um homem do campo nem da cidade. É um cara absorto, ingênuo, abstrato. Quase desumano em seus medos pequenos. Na solidão, não adianta ser destemido. Lê e relê o que escreve. Amassa e joga no lixo. É um ato de marinheiro de terra. No mar, se afogaria, de certo. Não tem onde segurar. Não tem nem os seus fantasmas pessoais, cansados da repetição da incoerência. Escreve. Nenhum tema. Nada o seduz. Desaprendeu o tom das palavras. Mede sua distância para as letras. Para o parapeito do décimo segundo andar. Não voa. Não anda. Não pensa. Não navega. Escreve. Nenhuma palavra se assenta no papel. Desanda. Acabou dentro de si. Só.