terça-feira, 11 de novembro de 2014

| João Manuel Ribeiro |

28 de outubro de 2014





Amarras

a geometria das mágoas
o apelido dos sonhos
a forma das arestas do sofrimento
as cicatrizes de lutas fundas
pouco a pouco
dia a dia
vida a vida
impõem silêncio

o que em nós se demora
às vezes é um efémero olhar
sobre o coração em desalinho


Descoberta

agora sei
que a paciência não cabe no tempo
chama pelas mãos acesa
dura tanto na brancura
como uma casa na terra

agora sei
que só a pedra resiste à chuva
intensa das tempestades dos fogos
recordo todos os lugares desertos
só tu cabes nessa imensidão
e não és só – trazes bagagens
e instrumentos de asas sonhos e ilusões

agora sei
que me desteces muito devagar
como uma trepadeira em redor
há um estilhaço e um modo quieto
de te morder por um húmil sussurro
me desocupas e me dás a beber às aves
assim aprenderei o rumo novo do voo


Chuva tardia

choveu tardiamente no ventre
da semente que cravaste em mim
pode dizer-se num sussurro de água
foi sede ou lume ou aridez
ou qualquer outra coisa que mordeu
o chão em que agora caminho
ou durmo e me sustento ou me digo
em silêncio o teu rosto entre mãos
como um girassol onde me exponho
demasiado aberto e extenso a sede
ainda tardia chuva em redor