segunda-feira, 24 de novembro de 2014

| Fernando Coelho |

11 de novembro de 2014







Seis horas, perplexas. Viveram longos meses entrecortados por cartas. Quase poemas. Declarações cifradas e claras como uma ferida num passarinho. Conversaram uma vez só. O telefone mudo. Marcaram um café. Perto do mar. A mesa, simples. Toalha branca, para escrever palavras inaudíveis. Duas xícaras, escarlate. Duas gotas de vermelho. O café fumegava uma nuvem de emoção. E um bolo de chocolate. Ambos justificavam o bolo como um elo, asas iguais entre os dois. Não se entrecruzaram os dedos das mãos. Temiam que os ossos, quebrados de desejo, doessem o encantamento. Ele pousa sua mão direita, em concha, tímida e quente, sobre a mão esquerda dela. Ela repete o gesto com sua mão direita, fina e gentil, sobre a esquerda dele. Um anel de prata escancara um sinal. Salvaram-se no bolo de chocolate. Identificaram-se por dentro de gaiolas no coração do vento, por onde a maresia passava, entre as taliscas douradas, levando um bando de azul em sonoras borboletas. Ao se olharem, compreenderam sobre a morte. Que ela não existe no amor. Caíram, um sobre o outro, sem que saíssem do lugar. Não se mexeram na separação. Um diálogo singular. Ela: você é o meu único poeta. Quero te dizer tudo o que eu sinto. Ele: você não é a minha musa, é a minha alma de blusa amarela. (Ela usava uma blusinha amarela sol, com debruns brancos imperceptíveis. A golinha da blusa tinha um pedacinho de Chanel nº5. Era como se os seios dela tocassem uma sinfonia, entre a boca e o coração). Despediram-se. Disseram tudo com palavras pela metade. Fizeram sexo em silêncio, ao som do bolo de chocolate. E só.