segunda-feira, 24 de novembro de 2014

| Edmar Conceição |

11 de novembro de 2014






Recentemente reencontrei meu primo Mardônio. Não foi uma conversa demorada, mas suficiente para lembrarmos de quando éramos dois magricelas com menos de vinte anos, morando em Brasília e acreditando que podíamos conquistar o mundo.
Havia muitas divergências entre nós, quase todos os dias disputávamos o que podíamos: quem era mais alto, qual cabelo ia crescer primeiro, quem mais aguentava fazer flexões e até cuspe à distância. Nesta última modalidade, confesso que ele era bem melhor.

Eu defendia a esquerda e ele abominava o PT. Nos exercícios físicos eu me garantia na paralela, mas era derrotado na barra. Gostava de literatura, Coopola e Richard Gere por causa do filme Uma linda mulher; já meu primo, era aplicado em matemática, Scorsese e o premiado Tom Hansk. Enquanto ele queria conquistar a vizinha Rosália, eu apenas abraçava umas dezenas de livros que trouxe comigo.

Todavia, quando a noite chegava, tomávamos conhaque barato com refrigerante e esquecíamos todas as disputas, confessando nossas angústias juvenis. A brisa do nosso exílio ficava mais suportável, até o concreto seco de Brasília podia sorver quimeras. Éramos apaixonados pela voz de Marisa Monte, principalmente quando ela dizia: “se eu não tenho meu amor, eu tenho a minha dor”...

Tive alguns insucessos em Brasília. Não cursei Direito na UnB, não passei para o cargo de assistente administrativo no Superior Tribunal de Justiça, meu soneto de amor não ficou entre os dez melhores no concurso literário e sequer chamei a filha do tenente para ir ao cinema.

Meus primos riram muito de mim, principalmente quando bebia, de uma só vez, um copo cheio de uísque falsificado e espalhava poesias trôpegas pela casa. Também não entendiam por que eu ficava lendo o tempo todo ou escrevendo poesias com a máquina de datilografar da vizinha, chegando a desconfiar de minha libido por mulheres por ficar mais dentro de mim do que de Brasília.

Também me divertia muito com todos. Eu que sempre me habituei na solidão do meu quintal, a desabafar e sorrir somente com minha imaginação de filho único, tive que aprender a dividir espaços, comidas, brindes e até tensões.

Encontrava alento nas pequenas coisas. Gostava quando a Vera fazia galinhada aos domingos. Minha prima Luciana comprava cerveja, brindávamos e gargalhávamos de tudo, até mesmo dos nossos insucessos. Divertia-me levando a pequena Stefany para a escolinha, pegava em sua mão e tentava fazê-la sorrir cantando músicas infantis, errando sempre a letra de propósito.

Talvez por tudo isso, mal consegui me despedir quando fui embora. Minha mãe e eu tentávamos em vão esconder as lágrimas na partida, olhando pelo retrovisor do táxi. Ela chorava pelo alívio do seu filho retornar para o seu leito; eu, pela certeza que não mais veria a paisagem que cada vez mais se afastava, sem saber explicar o volume sonoro do soluço, alertando o perigo de quem escolheu ser andarilho: colher as perdas de quem se entrega intensamente na beleza do encontro.