terça-feira, 28 de outubro de 2014

| José António Franco |

14 de outubro de 2014




há um torpor de vozes à flor da tarde quando os olhos rumam o insondável desmaio solar

na face líquida dos astros a lucidez incurável do mistério a persistência dos nomes em romaria

           de abusos de fogo e verde inesperado

o fundo macio e luminoso dos ribeiros perde-se na generosa correria das mãos sem fôlego

tu que tens a paixão de descobrir usa essa lente poderosa antes de habituares o olhar à

          fragrância do deslumbramento

um sino ao longe garatuja horas sem convicção oxidadas pelo fascínio dos segredos e pela

         geometria das vozes incólumes de todas as encruzilhadas

o vento entrou no poema como uma página suspensa num mar de pregões e estilhaços de

        sonho

cicatrizes de embriaguez por entre latidos de alcateia

a escadaria frágil da paciência envolta numa concha de histórias com gestos de apelidos vagos

        como bocejos

um brilho fugaz assoma às gárgulas trôpegas do remorso

nem vivalma por perto

nem certezas nem a espuma frenética dos navios de partida adiada pela solidão das candeias

o coração pulsa como crianças na exaltação do jogo e da fantasia sem o sal das memórias sem

       o fel do presente

seixos delicados que a voz organiza como pássaros nascendo nos relvados

o cansaço no teu colo amanhece apenas como um desafio

olha o mar dentro de casa

vê como os barcos escancaram a respiração das nuvens recém-chegadas

que sabedoria invade as pálpebras num sussurro sem vento nem folhas secas

afinal o universo consagrou todos os abraços

afinal os búzios são raciocínios de tempo largo sem nevoeiros ou agonias de viagens por

         acabar

pretextos de brisa com gumes inúteis e sussurros de monstros intragáveis

(alusões a desertos esburacados pelas sombras do delírio)

afinal a distância é imagem da emoção sem tréguas a ribeira a caminho do cume para

        transgredir trajectos provocar todas as pragas como lanternas da virtude

afinal as asas das flores não são vitrais de seiva da sílaba pura

lava inicial a caminho da aura silenciosa de um segredo
afinal



tempo é a cor dos teus lábios
o mundo na tua pele
            


(albufeira, portugal, agosto de 2014)