terça-feira, 28 de outubro de 2014

| Fernando Coelho |


14  de outubro de 2014





O pintassilgo do voo imaginário. Seis horas e todos os destinos.  Carel Fabritius. O carpinteiro e pintor holandês morreu em uma explosão do paiol Delft, cidade para onde se mudara, em 12 de outubro de 1654, aos 32 anos. A tragédia destruiu o bairro onde estava o seu estúdio e muitas de suas pinturas, quase todas. Mais ou menos uma dúzia de quadros ficou para a posteridade. E o que eu, baiano, do século XXI, tenho a ver com ele? Uma coisinha. Temos um pintassilgo em comum. Ele pintou um, que hoje está no museu Mauritshuis. E vale um caminhão de dólares. É assim que acontece a vida e o declínio do nada e a exaltação do belo. Sempre fui bem relacionado com pintassilgos. Eu chutava laranja bichada (não machuca o pé), lá em Conceição do Almeida e eles ficavam atrás de minha solidão barroca de menino da roça. Solidão é uma coisa bandida. Mas os pintassilgos não sabem disso. Sabem que sou um poeta brocado de incertezas. Cantam e me deixam com anestesia de bobo na alma. É uma coisa danada. Eu gosto de coisas porque elas se ignoram. E nos ignoram. Um papel amassado é amargura de alguma mão vã. A casa suja de fuligem. Areia do mar nos pés. Asa de barata numa teia de aranha. Cisco de pedaço de pão. Pó pra passar no rosto de mulheres belas, que grudou no canto do espelho do toucador. E ainda tenho um pintassilgo carteiro na Varando do Luciano. Leva e traz mensagens para o meu amor. 



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