terça-feira, 14 de outubro de 2014

| Carol Bittencourt |

30  de setembro de 2014




Durante a minha infância, meu pai era apenas uma voz. Uma voz bonita que falava comigo ao telefone, uma vez por ano, no dia do meu aniversário. Enquanto nos falávamos eu ficava imaginando como seria seu rosto, seus cabelos e se os olhos dele eram mesmo como minha mãe dizia, do tamanho e da cor dos meus. Aquela voz era tudo que eu tinha do meu pai...

Quando ele desligava o telefone, eu corria para o quarto e ficava imaginando aquela voz me dando uma bronca por ter chegado tarde em casa, ou em um tom de orgulho por eu ter tirado uma boa nota na escola, ou me dando um conselho qualquer; aquelas conversas sem importância na hora do almoço; aquele “boa noite, filha” na hora de dormir e tantos outros sussurros que preenchiam, pelo menos por alguns instantes, minhas ilusões de menina criada sem pai.

Minha mãe se esforçava como podia, para que eu compreendesse e amasse o meu pai. Ela sempre explicava que ele não vinha me ver por conta do trabalho: “Ele é um publicitário, viaja muito, mas ama você...”. Lembro que mesmo sem saber o que era um publicitário, eu achei a palavra bonita e adorava repeti-la para as minhas amigas. 

Quando vi meu pai pela primeira vez eu já estava com quinze anos e dentro dos seus olhos do tamanho e da cor dos meus, pude ver todo o amor que minha mãe sempre me ensinou a ver. Naquele momento eu decidi que as explicações sobre o passado pouco importavam, eu só queria o amor, o amor que estava ali, no presente, no meu presente, nos olhos e na voz de meu pai...

Confesso que até hoje não sei se meu pai chegou ou não a ser um publicitário, nunca tive coragem de perguntar a ele nem a ninguém.  É que minha mãe criou e me apresentou uma imagem tão bonita do meu pai, que seria uma injustiça desfazer qualquer detalhe desta bela e delicada campanha de amor.