terça-feira, 16 de setembro de 2014

| José António Franco |

02 de setembro de 2014






anunciada a guerra era evidente a satisfação de todos

seria possível finalmente uma distracção digna de todo o investimento realizado ao longo de tantos anos de paz produtiva estava criado um quadro óptimo com condições excepcionalmente adequadas para testar os miraculosos guarda-chuvas anti-estilhaço-de-bomba os gelados anti-radiações os carros anti-tanque e os bibes anti-queda-de-avião-atingido-no-ar que durante muito tempo tinham absorvido as verbas de áreas inequivocamente menos importantes como vacinação contra o pólen da oliveira a peste das borboletas o síndroma infecto-preguiçoso do adolescente o vírus-da-cola-do-selo-da-petição e ainda contra a insignificante maltovirose das escolas e das universidades

era o tão desejado tempo de glória que sobrevinha a confirmação do poder por que tanto se tinha lutado naturalmente uns com mais fé do que outros mas de um modo geral tratava-se da confirmação do poder totalmente legitimado pelo voto do silêncio ou pelo menos pela força da impotência pelo prevenir para não ter que remediar ou ainda por uma fidelidade às máximas do mais vale poucos e bons ou do antes-pra-mim-só-que-para-eles e por tantas outras justificações historicamente indubitáveis esteticamente irredutíveis cientificamente incontestáveis radicalmente válidas

quer isto dizer muito simplesmente que a guerra iria provar e ainda bem e até que enfim que todos tinham razão menos alguns que não tinham tanta iria ser a guerra o bálsamo para as artroses da sociedade para as escleroses dos incrédulos para os cancros dos teimosos para as hepatites dos avarentos anti-sociais anti-individuais anti-ruga anti-traça anti-choque anti-corrosivo anti-roubo e sobretudo e muito especialmente anti-duplicação
ora o que não estava certo era dizer-se como muitos diziam à sorrelfa que os soldados queriam era ir colonizar os vencidos isso não isso é mesmo que não pois se eles até tinham durante todo esse tempo abdicado do seu prato favorito pois se eles até andaram durante tanto tempo a conformar por baixo de andrajos humilhantes o vazio ruidoso do estômago com aquelas pastilhas anti-fome altamente cancerígenas cheias de corantes e conservantes

bom adiante que o tempo é pouco e está de chuva o bom do semedo feirante é que ficou de morrer quando lhe disseram que a guerra tinha sido anunciada é que a guerra era boa para todos não havia dúvidas mas ele é que estava lixado porque distraído como ele era e ainda por cima sem sequer ver televisão o pobre do homem pensou que a coisa tardasse e vai de comprar com a ajuda de um senhor que era primo da primeira mulher com quem tinha mantido um negócio de compra e venda de favores de terceira categoria mas dizia eu que ele decidiu comprar toneladas de calças amarelas com um botãozinho de rosa de cor roxa bordado sobre o bolso direito feitio e fazenda exclusivos para ver se dava para comprar uma quintita no sul de frança para ele e para a sua jaquelina bem entendido ora com toda a gente a vestir farda e a trabalhar na guerra à borla ninguém iria poder comprar-lhe as calças que lhe permitiriam finalmente comprar a tal quintita que ele tinha em vista no sul de frança sim porque na suíça já tinha uma em áfrica três ou quatro e outra ainda lá para o oriente no japão ou por aí assim sem falar da terra dele claro que já lhe pertencia desde o ribeiro aos terrenos do cemitério passando pelos baldios onde iria passar a estrada nova e pelas escarpas que ele tinha adquirido para desenvolver o turismo

foi nessa altura que ele falou com o director do mercado onde se vendiam as fardas para os soldados falou muito muito mesmo o que ele não falou o raio do homem que parecia que até tinha nascido a discursar para a parteira e o chefe daquela praça abanava a cabeça para todos os lados por fim despediram-se apertaram as mãos e o semedo feirante lá veio não se sabe para onde

o que é certo é que dois dias depois todos os soldados fardavam com calças amarelas fazenda e feitio exclusivos com um botãozinho de rosa de cor roxa bordado sobre o bolso direito

e a guerra lá veio e todos ficaram felizes


como esta história é um relato equidistante imparcial e rotativo julgo poder terminar sem a moralidade de que todos estariam à espera além disso para ser honesto para com o leitor na presente contextura não encontro nada que se lhe possa adiantar mas se me lembrar de alguma depois vos direi
e adeus que me vou que temporal guerra e histórias não duram sempre e a escrever é que não se alcançam vitórias