02 de setembro de 2014
Há quem diga que, em uma cidade vizinha a minha, corre uma ação judicial contra alguns rapazes por ato de abuso e maus tratos contra um jumento, Art. 32 da Lei 9.605/98.
Parece que cinco rapazes, supostamente embriagados, abordaram um jumento na praça principal e, utilizando-se de “violência e grave ameaça”, dolosamente, injetaram cinco “digitórios” na boca do animal indefeso e quase meio litro de água.
A palavra “digitórios” fica por minha conta, é a forma engraçada que um farmacêutico de minha vila trata os comprimidos para tratamento de disfunção erétil. Pelo menos era assim que o povo da zona rural, de forma acanhada, chegava à sua farmácia para adquiri-los: “O troco pode ser daqueles comprimidos que ajuda... que dá uma animada... os ‘digitórios’, meu filho, anda!”.
Voltando para o ato criminoso, aproximadamente quarenta minutos depois, o jumento comportou-se de maneira inadequada, demostrando sinais de inquietude e virilidade, correndo de forma desenfreada para todos os cantos da praça pública. Quando seu apetite sexual lhe atiçava, exibia sua libido gigantesca e caprichava na deselegância de sua cantoria.
Até este momento não havia gravidade. No entanto, diferente como pensam, os animais, inclusive os jegues, também deliram. A vítima, ao se deparar com uma moto estacionada no acostamento do supermercado, apaixonou-se perdidamente. Sem qualquer romantismo, o jumento atirou-se na sua bela amada sem pudor algum. Entregou-se sem censuras e, resistindo a empurrões, pedradas e xingamentos, não se furtou de berros estridentes e mordidinhas no guidom.
Não tive informações sobre o paradeiro atual do animal. Alguns dizem que foi sacrificado. Entendo. Shakespeare nos mostrou que certas paixões são perigosas. Porém, instigou-me o poder alucinógeno dos “digitórios”. Vou à feira todos os sábados. Às vezes, perco tempo observando um senhor com sua loja ambulante, distribuindo na pequena carroça algumas bugigangas e “utilidades sexuais”: xarope de catuaba, rapadura com gergelim, óleos afrodisíacos, casca de todo tipo de árvore e até o eterno “Biotônico Fontoura”, implacável para todo tipo de apetite, combatendo os que têm pouca disposição. No entanto, quando ele percebe a timidez de algum curioso, retira uma cartela de comprimidos do bolso e acalma o cliente:
- Pode confiar, mestre. Esse aqui não deixa você na mão, desceu da “guela”, rapidinho você está voando. Meus produtos são garantidos, original de fábrica, internet pura!
Tenho um colega que, apesar da pouca idade, como ele mesmo diz, “falta fôlego na hora”. Quando ele compra um “digitório”, costuma contar suas façanhas:
- Rapaz, o negócio é bom demais! Tomei de noite e ainda estava aceso pela manhã! Ontem mesmo, aproveitei que o lençol tinha um tecido fininho e não vacilei: “acorda, Mor, o circo chegou, vamos aproveitar!”.
Com tantas narrativas de sucesso, acho que deveria ter “digitórios” para outras coisas. Em tempos onde, a todo momento, nos injetam “guela abaixo” um monte de “pílulas de realidade”, empurrando-nos para tantas farsas políticas, preconceitos mesquinhos e falsos moralismos, bem que poderia aparecer o vendedor ambulante com suas cartelas oníricas, garantindo anúncios improváveis como: “entre agora nos quintais de antigamente”, “trapézios que levam para castelos desertos”.
Embora eu acredite mais nos amendoins com casca, as “gencianáceas”, como diria Luiz Fernando Veríssimo, vez que de tanto o casal limpar as casacas da perna do outro, não é mais necessário algum afrodisíaco, tenho a impressão que todo cronista, quando capricha no seu texto, fabrica algum tipo de “digitório”, seja ele apenas para fazer graça, lirismo ou, quem sabe, desvarios desmedidos.