terça-feira, 19 de agosto de 2014

| Edmar Conceição |

05 de agosto de 2014






Por causa das últimas perdas de estimados escritores tenho recebido carinhosas mensagens eletrônicas. É bom ser lembrado por alunos que não vejo há mais de seis anos lamentando a despedida do encantado Rubem Alves. Diversas vezes seus livros me socorreram quando eu lecionava na faculdade, alertando que ainda se pode acreditar no voo do devir, mesmo na vertigem dos nossos infinitos abismos.

Embora me encontre distante dos palcos há mais de dez anos, alguns parceiros de tablado compartilharam comigo a dor de perder a voz delicada de Ariano Suassuna, como se o pó enfeitiçado da escrita, que tanto coloriu e engraçou o sertão, levitasse para além dos nossos olhos e nos retirasse um pouco do chão de nossas esperanças cênicas.

Ainda conservo um fascínio pelas cortinas da docência e do teatro, no entanto, abalou-me mais a morte do escritor João Ubaldo Ribeiro. Confesso que não sou um leitor apaixonado dos seus livros famosos, acho até que eles são extensos demais, como se ele levasse muito a sério os conselhos paternos, acreditando que livro bom é aquele que consegue ficar de pé sozinho.

Há um vazio nas minhas manhãs de domingo, não faz mais sentido ir ao jornaleiro, não terei as crônicas certeiras do baiano da ilha de Itaparica, talvez o último contemporâneo que, no folhetim impresso, ainda insistia mais na sensibilidade do que na informação.
Gosto, especialmente, das suas crônicas despretensiosas, a simplicidade de contar “causos” de sua ilha, como ele mesmo dizia: “mentindo profissionalmente”. Quando verei nos jornais diários, cheio de propagandas sensacionalistas e notícias óbvias, alguém falar sobre a “arte e ciência de roubar galinhas”, quem vai me fazer rir sem parar do “caso do papagaio Zé Augusto”.

Sempre me dedicava um pequeno ritual para a leitura de suas “estórias”: o canto direito do sofá, cerveja ou vinho bem gelado, um aperitivo qualquer, porções variadas de risos pelo caprichado humor do texto e, por fim, uma bela e extensa pausa no olhar, sem entender a maestria de como alguém podia colher uma narrativa tão singular e instigante.

Certo dia, um amigo da faculdade de Direito disse que minhas crônicas parecem ser escritas no declive do divã, preocupado com o excesso de minhas reminiscências líricas e a ausência de textos mais politizados. Não sei se por diplomacia, pelo menos disparou um elogio: “são raros os escritores que expõem seus fracassos, mesmo quando se escondem no humor e na ternura”.

Talvez minha admiração por João Ubaldo Ribeiro seja um pedaço significativo de inveja do cronista de Itaparica, do boêmio do Leblon. Não são poucos os que afirmam que o maior sucesso dele seja uma narrativa feita pela voz dos vencidos e não dos vencedores. Assim, a crítica de meu amigo me animou, porém, prefiro crer que escrevo na leveza sedutora da “copa do pé de cajarana” ilustrada pelo João, dedicando-se apenas a calmaria das lembranças que açoitam a quimera dos passos vindouros.

Salve, João Ubaldo Ribeiro! Salve...