terça-feira, 8 de julho de 2014

| Carol Bittencourt |

24 de junho de 2014







Desde pequena me acostumei a pentear seus cabelos. Quase todas as noites, antes de dormir, ela chamava-me ao quarto e com a escova na mão e um sorriso de mãe, fazia o acordo de sempre: cinquenta centavos por cinquenta escovadas. Eu, que naquele momento só pensava nas moedas e nos doces que me renderiam aquela empreitada, sem pestanejar, lançava minhas mãos e meus sonhos de menina sobre seus cabelos negros e ondulados...

Mas a menina cresceu e os doces da venda da esquina deixaram de ser tão importantes; vieram outros desejos, outros sonhos e por causa deles, poucas moedas. Ainda assim, vez ou outra, quando eu chegava em casa e ela ainda estava acordada, bastava um sorriso e a escova na mão, para que eu voltasse a ser a mesma menina, que penteava e sonhava em seus cabelos.

Naquela noite, quando cheguei em casa, ela acabara de sair do banho e o cheiro do seu perfume se espalhava pela sala. Vestida em seu velho roupão de seda e com a escova nas mãos, ela entrou silenciosamente no quarto. Por alguns instantes fingi acreditar que tudo seria como antes e, quando ela me chamou, caminhei em direção ao quarto como quem corre para dentro de um desejo, tão doce e tão bom como as jujubas que aquelas moedas me rendiam na infância.

Ela, se esforçando para sorrir, pediu que eu fechasse a porta do quarto e cortasse seus cabelos que já começavam a cair por causa da quimioterapia e foi aí que percebi que as minhas mãos de mulher já não tinham mais a mesma segurança das minhas mãos de menina. Ela, ali, de costas pra mim e fingindo que não via e sentia meu desespero ao cortar cada fio dos seus cabelos, vez ou outra brincava elogiando meus serviços desajeitados como cabeleireira. Eu, tentando esconder minhas lágrimas, também fingia que não via sua tristeza ao cobrir a cabeça com um lenço estampado.

Com o tempo passamos a escolher e discutir juntas qual lenço era mais bonito, qual estampa era mais colorida ou, dependendo da ocasião, mais discreta, qual combinava melhor com esta ou aquela roupa; é verdade que nem sempre chegávamos a um acordo. Acho que me acostumei com o colorido dos lenços, para que a vida dela, ou melhor, para que a nossa vida tivesse um pouco mais de cor...