terça-feira, 29 de abril de 2014

| Edmar Conceição |

15 de abril de 2014










As pinturas que não dão para ver o que são, são temperos.
Esta frase é de meu filho, Gabriel Vinícius, durante uma entrevista feita pela jornalista e escritora Emiliana Carvalho, publicada no seu delicado livro Retratos de Retratos. Meu amigo Adão Lima entusiasmou-se com a assertiva, confessando-me que o jovem pintor, com seus sete anos, tinha lhe dado o melhor conceito de arte que já vira.

Bem, esta crônica emerge do pasmo de quem se ofusca com a beleza saborosa do invisível, de uma perfeita fotografia de Marcos Cesário, capturando temperos raros e afiados que fantasiam os meus olhos, como um menino que se perde na beira da mesa, enfeitiçado com as cores e os cheiros que levitam da panela materna.

Não me instiga descrever o visível da fotografia, no entanto, mesmo na parte rasa da imagem, ela já é provocativa: há um senhor aparentemente recluso na penumbra do seu apartamento, contrastando com janelas esparsas que anunciam aos seus ombros caídos, o vigor da claridade de um outro lado, talvez um lugarejo que se permita o sol e a vivacidade do tempo.

O gosto, seja na gastronomia ou na arte, nasce de um encanto peculiar, de um exaspero que não se mede, que apenas exala aromas íntimos, erguidos da volúpia pela gula do prazer. Assim, sinto-me agora, na fome inquieta de meus pequenos dedos neste papel, entregando-se a uma tinta preta que fica à vontade no contraste da paisagem, quem sabe se percebendo no reflexo da fotografia, ora trevas, ora luz.

Não me surpreende o escuro que se mistura com a silhueta solitária do senhor. Na verdade, acho que ela não está sozinha, apesar do conforto do refúgio. Embora haja um tom sombrio no casulo construído, haverá frestas naquelas janelas que a ventania do tempo incomodará a destreza de passos tão quietos, baralhando o tímido suspiro que lhe restou.

Brinco com o deleite que a imagem tece, talvez aquela sombra seja apenas um espectro, um vazio que sonha com o outro lado da janela, um subsolo arejado pelas promessas da poesia, mesmo que o entardecer revele suas feridas.

Ainda teria tanta coisa para dizer desta fotografia, mas, como este senhor contemplativo, tenho medo que este texto saia do ponto. Sei que os melhores cozinheiros e artistas não calculam o tempero em milímetros ou gramas, jogam na panela e no disparo da máquina fotográfica uma entrega que transborda, mas me contento com uma “crônica-aperitivo”, tentando dar a mesma impressão da foto: um olhar esperando um ranger de janelas.

Engraçado, meu filho Gabriel Vinícius, agora com seus onze anos, revelou-me que já escreveu vários capítulos do seu livro de ficção científica e que a sua professora disse que “dá água na boca” o que ele escreve. Quem bom, pois ainda guardo a minha redação da sétima série em que a professora dizia que “era caso de polícia”. Fiquemos, por fim, com a maestria de Marcos Cesário, fotografando nosso silêncio, deixando-me entre os lados da janela com “água nos olhos”.