terça-feira, 18 de março de 2014

| José António Franco |

04 de março de 2014










queridos pais vírgula estou completamente falido ponto mandem dinheiro urgentemente para fugir à desgraça ponto Luisinho pinto final

dona violante ficou sem pinta de sangue enquanto o senhor seu esposo zebedeu de alcafozes se contentava com um limpar nervos das pesadas bugas de suor que lhe irrompiam do rosto de desespero mais controlado desde que abrira o telegrama do querido Luisinho menino prendado com todas as qualidades e sem defeitos conhecidos pois ele aviava todos os recados que lhe fossem pedidos estudava que era um regalo ver ajudava as velhinhas a atravessar as ruas não fazia mal aos pobres dos animais não ateava incêndios não chamava nomes aos professores nem aos ministros nem às pessoas mais velhas não punha o dedo no nariz a não ser no recato do seu quartinho sempre esmeradamente limpo e arrumado não dizia palavrões não falava com desconhecidos nem aceitava boleias de ninguém não pisava a relva nem nadava nu nos lagos nem nos rios nem mesmo nos oceanos não pintava as paredes fazia sempre os trabalhos escolares estava sempre disposto para fazer o bem e evitar o mal

mas

pois este maldito mas veio dar cabo da folha de serviço do menino luisinho porque nem dona violante nem o senhor zebedeu de alcafozes faziam a mais pequena ideia do que teria acontecido de mal ao querido filho para o deixar naquela embaraçante e nunca vista situação de requisitar com urgência um reforço da mesada mesmo a meio do mês

ele criança querida que nem bares frequentava ele que nem ao cinema ia ele que nem raparigas conhecia toda a santa e digna juventude a estudar para poder vir a ajudar os outros ele quase a acabar o curso e cumprir a mais nobre aspiração de ser professor com a bêncção dos seus queridos pais

bom o que é certo é que o casal amarguradíssimo depressa reuniu uma avultada soma de dinheiro que logo remeteram para o herdeiro num vale postal azul e dispuseram-se a esperar uma explicação do filho ele que também era tão regular na sua escrita para os queridos pais e amigos mais chegados

esperaram um dia uma semana um mês

um ano

o rapaz abandonara o esmerado quartinho sem deixar a ninguém uma pista do seu novo paradeiro

os pais até contrataram um detetive particular especialista em cobranças difíceis mas em vão

perderam-lhe o rastro por completo

decorridos uns dois anos e meio dona violante e seu esposo de luto carregado receberam uma carta registada com dois bilhetes de avião em seus nomes e um lacônico bilhete convidando-os para visitar o Luisinho alguém os esperaria no aeroporto

loucos de alegria logo se meteram a caminho

a viagem foi boa mas o espanto foi grande quando um senhor muito bem vestido tratando-os sempre com desusada cortesia os veio buscar num carrão enorme com frigorífico e tudo

pararam em um enorme jardim em frente de uma grande mansão

uma pesada porta de madeira preciosa trabalhada abriu-se para deixar sair o querido luisinho que os vinha esperar de óculos de sol todo ele muito lustroso num fato preto caríssimo

da alegria que então reinou nem quero dar notícia

enquanto três criados lhes transportavam as bagagens o feliz casal passeava pelos jardim com o querido filho reencontrado e a história ficou completa

o vale azul com os dinheiritos que os pais lhe tinham enviado nunca chegou às mãos do luisinho que apertado como estava não teve outra solução senão a de meter-se à vida e as coisas correram-lhe bem

ao transporem a pesada porta de madeira preciosa trabalhada dona violante desabafava ai luisinho meu querido luisinho se tivesses acabado o teu cursozinho

olhe queria mãe seria apenas professor

e pronto cá temos um final feliz mas não fiquem à espera que eu arranje uma moralidade para isto