sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

| João Manuel Ribieiro |


                        A Tabacaria do Alves II


E-xis-tir com bicarbonato de soda

por súbita angústia desconsolação
ou esterco metafísico não duvide
senhor engenheiro da amizade
nem sequer renegue a água-pé
que bebemos mesmo sem sede
a porta aberta da minha tabacaria
apesar do acidente da inconsequência
da superfície das coisas [que reclama]
tem uma das melhores vistas sobre o Tejo
exista se puder ainda que sem esperança
em liberdade sem nexo e se algum
atordoamento de vazio teimar
em o esfalfar no cérebro tem aqui
um amigo - arre! - que além de tabaco
pode vender-lhe bicarbonato de soda.


Dever de reclamação

não ignoro que para comigo não tem
o senhor engenheiro qualquer dever
[a não ser o de pagar o que há muito
talvez de mais me deve] que o desleixo
deliberado [como escreve intencionalmente]
o faça respirar melhor também compreendo
incomoda-me porém que não consiga
[no desencontro que é a vida
e na sua respetiva parte assistente]
acender o cigarro o cigarro seguinte
fique sonhando versos e sorrindo em itálico
contra a sociedade organizada e vestida
nu e mergulhado na água da imaginação
mas não me dê cabo do negócio
agora que passaram as horas dos encontros
e continue a fumar continue a fumar
a tabacaria do Alves agradece

Inutilidades

alguma coisa do esquecimento me lembra
a inutilidade de averbar às ações consequências
tive vontade de fechar a tabacaria e ir
esperar-me como viajante anunciado ao comboio
ou de o surpreender no Arcádia e
oferecer-lhe estes cigarros recém-chegados,
mas nada aconteceu e na ombreira da porta
o que imagino brandamente no calor da tarde
escrito no muro da casa em frente é o que diz
recorrentemente o senhor engenheiro:


- É inútil tudo, é inútil tudo, é inútil tudo.